Doncovim, Proncovô...
Ao longo da minha formação escolar e na graduação universitária, tive a impressão de que a ciência (como praticamente todo saber ocidental) tinha sua origem na civilização grega e tomava isso como um lugar comum.
Ao longo da minha formação escolar e na graduação universitária, tive a impressão de que a ciência (como praticamente todo saber ocidental) tinha sua origem na civilização grega e tomava isso como um lugar comum.
Ultimamente entrei em contato
com uma série de materiais sobre a cultura árabe e sua contribuição para a
civilização ocidental, o que me induziu a procurar possíveis origens do
pensamento científico além da Grécia. Durante algum tempo meus critérios de
pesquisa me levaram sempre à mesma fronteira histórica: o surgimento da
álgebra, e só. Parecia-me estranho que esta tivesse sido a única “produção
original” de uma civilização que foi durante séculos um império de proporções
continentais e tinha alta estima pelo desenvolvimento cultural.
Partindo das observações dos
comentadores árabes sobre a filosofia aristotélica, me propus a seguir o
caminho de volta ao oriente para tentar delinear os contornos da produção
intelectual e técnica das civilizações árabes durante o período da idade média
e sua posterior apropriação pela civilização ocidental.
Através deste olhar periscópico sobre o horizonte cultural árabe, quero
entender o conhecimento ocidental a partir da sua síntese judaico-islâmico-cristã,
para então entender a América através dos modelos de colonização e miscigenação
étnica na sua miríade politico-sócio-cultural, para então entender o Brasil
enquanto nação, para daí então, com alguma consciência, propor uma divulgação
científica brasileira que dialogue efetivamente com o pensamento científico.
Assim como o pensamento da civilização islâmica foi essencial para a
incorporação da filosofia grega na síntese de onde renasceu a cultura
ocidental, acredito que uma vez conscientes da nossa dimensão cultural, o
Brasil possa se colocar autonomamente na produção do pensamento pós-moderno.
Acredito termos na nossa constituição cultural alguns elementos únicos que
foram perdidos na nova síntese da cultura contemporânea globalizada.
Assim como Newton foi o último dos assírios e, por essa desterritorialização
epistemológica, capaz de orquestrar uma redefinição estrutural na cosmologia da
sua época; talvez nós, brasileiros, sejamos os últimos bárbaros do novo mundo
que ainda resistimos à homogeneização do pensamento contemporâneo.
PS: Aceito conselhos para facilitar a caminhada! =)
Síntese da Ascensão da Civilização Árabe-Islâmica durante a Idade Média
Dois grandes períodos históricos podem ser bem delimitados
para o mundo árabe-islâmico: o pré-islâmico (até o início do século VII) e o
islâmico, iniciado com a Hégira (ano 622 da cronologia ocidental) e que perdura
até hoje, apesar de que, para a Ciência no mundo árabe, o período significativo
correspondeu do século IX ao XII, tendo Bagdá, Cairo e Córdoba como centros
principais.
No decorrer do período islâmico,
menos de um século passado sobre o retorno de Maomé a Meca em 629, uma nova civilização
tinha nascido. As forças islâmicas tinham conquistado um território imenso que
se entendia pela Síria, pelo Egito e Pérsia. Ameaçavam a Índia e partes da Ásia
Central, dominavam o norte de África e entendiam-se até à Península Ibérica. Governar
tal império não era fácil. O primeiro califado, originalmente estabelecido em
Damasco, desmembrou-se. Na parte oriental, um outro califado (abássida) conseguiu
uma paz prolongada e um crescimento econômico propício ao desenvolvimento das
ciências e das artes. Foram os abássidas que transferiram a capital da
civilização islâmica para Bagdá e estimularam seu crescimento econômico e
cultural ao ponto de se tornar o epicentro do mundo árabe da época.
No século IX, o califa
Harun-al-Rashid, citado no romance Mil e
Uma Noites como patrono das artes, criou em Bagdá uma biblioteca onde
reuniu diversos tradutores que compilavam manuscritos de diversas áreas do
saber para a língua árabe. Alguns anos depois, o califa al- Mamun fundou o Bait al-Hikma (Casa da Sabedoria), um
centro de investigação intelectual e tecnológica que esteve ativo durante dois
séculos. Destacou-se como produção da Casa da Sabedoria o grande esforço de
tradução, interpretação e desenvolvimento dos manuscritos científicos por parte
da civilização árabe. A civilização árabe se encontrava então na época dos
califados (que sucedeu o controle político-religioso árabe após a morte do
profeta Maomé).
Com a morte de Maomé em 632,
houve a unificação dos povos da península arábica e a expansão desta
civilização em direção ao Egito, Palestina, Síria, Pérsia e Armênia. Em apenas
15 anos, a expansão árabe fez recuar até o império Bizantino e no início do
século VII já tinha agregado também ao seu império o norte da África e da Península
Ibérica. Em seu auge, o domínio do império árabe se estendia oceano Atlântico
até a Índia. Dominando politicamente esse território, a civilização árabe
formada até então por povos nômades, tem acesso ao conhecimento das áreas conquistadas.
De maneira distinta do padrão de conquista dos povos europeus, ao invés de
empenhar esforços em destruir as culturas dos povos conquistados, os árabes não só mantiveram os centros de
conhecimento da época, como criaram novos.
Durante a dinastia dos Abássidas
em 750 d.C. o califa Al Mansur inicia um projeto de transformar Bagdá, a
capital do império Árabe, em um epicentro cultural. É criada A Casa da
Sabedoria em Bagdá onde reuniram-se filósofos, astrônomos, matemáticos, médicos e
tradutores de várias partes do império em um esforço monumental de compilação,
tradução e nova síntese do conhecimento humano produzido até então. Rivalidades
políticas entre a dinastia dos Abássidas e a dos Omíada fizeram estes últimos
incentivassem outros centros de investigação paralelos a Casa da Sabedoria em
Bagdá. Um destes “centros periféricos” foi criado em Córdoba, na Península
Ibérica. Nesta época, Córdoba recebeu o fluxo de conhecimento trazido através
das rotas comerciais do norte da África. Foi em Córdoba que viveu entre 1126 a
1198 um dos pensadores árabes mais polêmicos e um dos principais comentadores
da filosofia grega de Aristóteles: Ibn Rushd, ou Averróis -como é conhecido no
ocidente. A filosofia de Averróis não se desenvolvia tendo como premissa ser
consoante com a fé islâmica, o que levou a grupos fundamentalistas perseguirem
sua obra na tentativa de eliminá-la do pensamento que estava sendo erigido.
Como em outros episódios históricos de censura intelectual, o efeito foi
oposto: diversas cópias das obras de Averróis foram distribuídas para
bibliotecas dentro e fora do império árabe.
A chegada ao ocidente cristão
desta parcela da produção de conhecimento do império árabe foi uma das maneiras
que a civilização cristã retomou o acesso á filosofia grega, devidamente
revista à luz da cultura árabe, durante a idade média. Assim como a filosofia
de Averróis não foi bem aceita pela fé islâmica, tampouco foi por parte dos
estudiosos da fé cristã. Averróis defendia uma total separação entre razão e
fé, o que obviamente nunca foi uma linha de pensamento estimulada por
estruturas religiosas.
Entra então em ação Tomás de
Aquino: teólogo e futuro santo católico. Ao chegar a Paris em 1269, encontrou
os estudiosos empacados com uma questão persistente: o que fazer com as novas
traduções dos filósofos gregos que chegaram por intermédio dos árabes? Antes de
entrar para a igreja, Tomás estudou na Universidade de Nápoles de financiada
pelo imperador romano Frederico II, que estimulava o estudo do pensamento
árabe. Tomás foi educado em meio a discussões das obras dos pensadores árabes
Avicena e Averróis além do judeu Maimônides
contra os quais já se posicionava criticamente ainda na universidade.
Combalida pela avalanche
intelectual árabe, a igreja incentivou a partir do século XII o surgimento de
novas escolas teológicas (ordens religiosas) que fossem capazes de se
posicionar intelectualmente frente ao novo conhecimento árabe que se impunha.
Neste contexto surge a ordem dos Dominicanos da qual Tomás fará parte: uma
tropa de elite formada por intelectuais devidamente equipados com instrumentos
de análise e argumentação aristotélicos para proteger o ocidente do
conhecimento herege que vinha do oriente.
“A física aristotélica,
transmitida para a cultura medieval, graças aos árabes, foi incorporada e modificada
em alguns aspectos secundários pela filosofia religiosa de Santo Tomás de
Aquino. Esta se tornou a doutrina oficial da Igreja e do poder temporal. O
Motor Imóvel de Aristóteles e o Pai personalizado dos cristãos haviam se
tornado uma só coisa na síntese escolástica medieval da filosofia grega com a
teologia judaico-cristã. No início da Idade Média esta síntese se dera entre a
teologia cristã e a filosofia platônica ou neoplatônica, passando depois ao
aristotelismo, dominante ao fim da idade média. Era limitante e autoritária,
mas confortante e inteligível para o senso comum a visão de mundo que aquela
filosofia passava.”
Rosa, Luiz Pinguelli
– Tecnociências e Humanidades, Vol 1 - Ed. Paz e Terra , pag. 81
A ciência antes do método
Inicialmente, ciência, filosofia
e religião não podiam ser separadas como correntes de pensamento independentes;
todas compunham juntas explicações de mundo (causas imediatas e ontológicas)
que teciam noção cosmos da antiguidade. Antes de ganhar hegemonia através da
cultura ocidental, outras civilizações desenvolviam o conhecimento cientifico e
o pensamento investigativo da natureza. Houve no oriente diversas correntes de
pensamento científico e produção de conhecimento técnico muito anterior a
ciência ocidental como observa-se na historiografia materialista das
civilizações chinesa, hindu e islâmica.
Apesar de uma série infindável de
evidencias históricas, o senso-comum de que a ciência é uma produção cultural
exclusivamente ocidental se consolida por alguns motivos: A história ocidental
descreve, em geral, a civilização europeia como autogerada, tomando a cultura
grega como predominantemente europeia e abstraindo suas raízes em outras
culturas. Mesmo depois de ter sua periodicidade histórica apontada como
anterior ao conhecimento científico produzido pelo ocidente, os conhecimentos
técnico e empírico desenvolvidos por culturas não europeias não costumam ser
incluídos na história da ciência, o que delimita a noção de “ciência” quase
exclusivamente dentro do campo europeu ocidental.
Indo em direção oposta a essa
etimologia da exclusão, alguns historiadores da ciência apontam a importância
de diversas culturas orientais na formulação do campo de saber da ciência
moderna. Além disto, pesquisadores descobriram que civilizações indígenas já
relacionavam o movimento das marés à variação do ciclo lunar, períodos de seca
e chuva bem como outros conhecimentos obtidos por um empirismo randômico
natural da experiência cotidiana com o meio. Só muitos anos depois esse mesmo
conhecimento foi validado como científico ao ser re-descoberto através da
análise racional de dados quantitativos obtidos empiricamente dentro do método
clássico da ciência formal.
Embora tenham sido os gregos os
primeiros a submeterem o conhecimento ao exame racional, para tentar traçar
relações causais, o conhecimento empírico já havia aparecido no Egito e na
Babilônia na forma de unidades e regras de medidas, aritmética simples,
calendário e periodicidade na astronomia. Regras empíricas egípcias para
relacionar distâncias medidas no terreno foram convertidas em teoria geométrica
a partir de Tales de Mileto e de Pitágoras de Samos. Tales visitou o Egito e
usou tabelas da Babilônia para prever um eclipse; julgava que a Terra era um
disco sólido flutuando na água, inspirado em teorias dos egípcios e babilônios
de que o universo era uma caixa fechada, da qual a Terra era o chão. Os
primeiros filósofos gregos tiraram grande parte de suas constatações sobre a
natureza de fontes de informação transmitidas de culturas mais antigas, como a
astronomia da Babilônia e a geometria do Egito.
O mérito dos gregos foi submete-los a uma análise racional exaustiva
além de adicionar conhecimentos novos.
O sucesso do método científico desenvolvido no ocidente talvez consista
justamente da fusão do pensamento analítico-racional grego com o pensamento
tecno-empirista oriental que o antecederam.
Delineando “ciência árabe” na época da idade média
Nenhum historiador foi tão
categórico como Pierre Duhem (1861-1916), que escreveu: “Não há ciência árabe.
Os sábios Maometanos foram sempre discípulos mais ou menos fiéis dos Gregos,
mas foram destituídos de qualquer originalidade” (Lindberg,1992, p. 175). Embora
imperativa, a visão de Duhem estava amparada pelos dados históricos disponíveis
na época – ou melhor dizendo, pela ausência destes.
Essa tese, a de terem sido os
árabes meros guardiões e transmissores da Ciência grega, sem terem acrescentado
qualquer pensamento ou conceito relevante para o desenvolvimento científico,
parece, hoje em dia, superada. A expressiva maioria, para não dizer consenso,
dos atuais historiadores da Ciência defende terem os árabes estudado,
interpretado e comentado o conhecimento recebido, e suas observações atestariam
sua capacidade especulativa e criativa. A Ciência seria, assim, devedora de
contribuições árabes. Ainda que algumas qualificações sejam normalmente
simplificadas pelos diversos autores, o tom geral é de reconhecimento pelas
atividades desenvolvidas nos vários campos da Filosofia Natural.
Pode-se então apontar,
baseando-se na historiografia contemporânea, que a revolução científica
europeia dos séculos XVI e XVII foi a continuação natural de uma produção
intelectual e técnica que já vinha se desenvolvendo anteriormente na
civilização árabe, hindu e chinesa e que chegou ao ocidente com a expansão do
império árabe durante a idade média.
O Pensamento tencno-empirista árabe
Os astrônomos árabes
interpretavam o conhecimento já produzido por outras civilizações com grande
liberdade e se permitiam desmembrar sua lógica alterando pontos que não
condissessem com suas próprias observações. Os dados observacionais produzidos
pela investigação árabe eram obtidos por um empirismo que dispunha de
instrumentos técnicos extremamente apurados para época. No entanto, o método
usado na interpretação e correlação dos dados com a teoria em construção seguia
um raciocínio distinto da lógica analítica do pensamento grego. A produção
cientifica árabe de alguns pensadores como Avicena com seu cânone de medicina,
é continuamente revisitada pela ciência moderna na busca de encontrar ali
deduções empíricas que fogem do campo de proposições lógicas do método
científico utilizado sobre dados pontuais.
A Obra dos Comentadores Árabes lida no Ocidente
Ibn Rushd (1126-1198), ou
Averróis como é mais conhecido no ocidente, dedicou-se ao estudo da “partícula
mínima” que pode-se chegar dividindo a matéria. Para isto, partiu do conceito
de substância utilizado por Aristóteles para propor explicações para as
mudanças dos estados físicos da matéria. Aristóteles assumia uma ideia de
“matéria prima” material: o que liga o estado inicial ao final de uma
transformação física da matéria é a substância desta matéria, substância esta
que não se circunscreve ao limite físico da matéria, mas sim à sua
potencialidade material. Para Aristóteles a matéria prima e a forma substancial
não existiriam através da matéria, tampouco independentes desta, seriam então
princípios determinantes. Averróis parte desta linha de pensamento e trás a
discussão do limite da possibilidade de divisão da matéria para uma campo de
pensamento mais material do qual estava o pensamento aristotélico. Usa como
exemplos empíricos do seu pensamento o fogo e a uma linha traçada na terra: ao
removermos gradualmente partes do fogo, este chegara a um mínimo e então se
extinguirá; ao tentarmos dividir sucessivamente em intervalos menores uma linha
traçada na terra, nos depararemos com o limite físico de operar uma nova
divisão (embora seja possível efetuá-la mentalmente). Averróis circunscreve o
limite da divisibilidade da matéria na sua própria dimensão física. Nota-se
aqui um pensamento que hoje seria classificado como tecnicista por operar nos
limites da realidade perceptível (e operacional) desprezando abstrações puramente
mentais que pudessem dai serem derivadas.
O método científico atual deve muito do seu pensamento técnico aos
pensadores orientais. Embora desmerecidos no ocidente pela sua devoção à fé
como sistema de organização político-cultural, talvez tivessem maior liberdade
intelectual para desenvolver um pensamento técnico emancipado das explicações
místicas justamente por dedicarem à religião a responsabilidade de lidar com a
necessidade humana de explicações primordiais, ontológicas e místicas.
Ibn Sina (980-1037), com nome
latinizado para “Avicena” foi um pensador árabe que continuou as investigações propostas
pelo cristão neoplatônico João Philoponus de Alexandria. Philoponus foi o
primeiro a sintetizar uma crítica sistemática a explicação aristotélica para o
movimento e propor a esta uma explicação alternativa tirando do ar o duplo
papel de impulso e resistência ao lançamento de projéteis. Avicena partiu da
tese de força impressão do lançador ao projetil proposta por Philoponus e
concluiu que esta força tinha seu valor alterado de acordo com a resistência do
meio, deduzindo daí a impossibilidade de vácuo no campo de ação dos movimentos
observáveis. Avicena desenvolveu um tratamento quantitativo para os movimentos
deduzindo que se imposta a mesma força de lançamento, a velocidade seria
inversamente proporcional ao peso dos projéteis. Outro crítico do estudo
aristotélico do movimento foi Ibn Bãja (Avanpace) que partindo da ideia de éter
analisou a possibilidade do movimento dos corpos celestes através desta tese de
“fluido perfeito”.
Alquimia
Entre os saberes árabes que mais
se destacaram no mundo cristão ocidental, destacam-se a o que se convencionou
chamar de “Alquimia”. Na realidade, este não era um saber unificado, mas sim um
conjunto de técnicas e conhecimentos desenvolvidos designados pela palavra chemeia. Sua produção não era apenas
árabe mas se originou da compilação de praticas realizadas por diversos povos
de civilizações como China, India, Pérsia, Mesopotâmia, Síria e Egito. Ao serem
incorporadas e desenvolvidas pela civilização árabe-islâmica recebe o prefixo al tornando-se Alkymiya.
O nome árabe que figura como
alquimista de maior importância foi Jabir Ibn Hayyân (com nome latinizado para
Geber). No entanto, pouco se sabe sobre ele; alguns historiadores apontam a
possibilidade de um grupo de alquimistas assinar suas produções sob este nome,
pratica comum desde a Antiguidade.
Outro nome que se destaca é o de
Abu Bakr Muhammad ibn Zakariyya (conhecido no mundo latino como Al-Razi ou
Razes). Sua obra deu grande impulso no que viria a se tornar a medicina no
ocidente. Conhecida domo iatroquímica, Al-Razi desenvolvia uma alquimia voltada
para fins medicinais. Buscando processos de transmutação, desenvolveu uma série
de elixires utilizados em seu hospital em Bagdá.
Conclusão
A criação e o desenvolvimento
árabe-islâmico só foi possível pela conjunção de dois poderosos fatores
culturais aglutinadores: a língua e a religião. As conquistas territoriais dos
árabes, povo de origem semita, além da Península Arábica e da Síria, em outras
áreas (Iraque, Egito, Magreb, parte do Irã) arabizaram, através de uma língua
comum, toda essa região do Oriente Médio e Norte da África. Outras etnias,
porém, como os persas, os turcos, os curdos e os berberes, não se arabizaram no
sentido de adotar inicialmente uma mesma língua, mas se islamizaram, adotando
uma mesma referencia mitológico-religiosa e assim participando de uma
confluência político-ideológica comum. Desta forma, esses dois fatores de
unidade cultural devem ser examinados em conjunto, como expressão da mencionada
característica arábico-islâmica, e não de forma excludente. Pode-se então
atribuir o grande desenvolvimento cultural e científico da civilização
árabe-islâmica à esta unidade linguística e religiosa e graças a isto, uma
confluência político-ideológica sobre a assimilação de fontes externas de
conhecimento, ressignificação e desenvolvimento de uma leitura própria.
Há interpretações da produção de
conhecimento científico como uma das maneiras de construção parcial do entendimento
humano sobre o mundo. Nesta perspectiva, Ciência, Arte e Filosofia devem atuar dialogando
entre si como representações da percepção humana da realidade. Esta visão
social da ciência é desenvolvida por alguns pensadores humanistas do século XX
como Michel Serres, Guilles Deleuse, Edgar Morin, entre outros.
Há, a partir deste posicionamento,
diversas iniciativas de promover o diálogo da linguagem cientifica com a
artística e filosófica. Destaco a divulgação científica como uma das formas
atualmente mais difundidas de diálogo entre academia, meios de comunicação e as
massas populares.
Programas de TV nacionais e
internacionais acabam por assumir o papel de traduzir em produções audiovisuais
acessíveis ao publico geral, as intenções e objetos de pesquisas desenvolvidas
pelo meio científico e acadêmico. Embora não seja a maior parte da produção
atual, há bons documentários em vídeo que, em uma linguagem simples e
visualmente atraente, traçam um panorama não simplista entre ciência, sociedade
e cultura levando discussões interessantes ao publico.
Indico abaixo algumas produções
de séries de TV, livros e publicações em periódicos não especializados que
trataram da contribuição árabe na ciência como bons exemplos desta interface
“ciência-público”
- Série de TV – “Legende des
Cience” – apresentada pelo filósofo Michel Serres - episódio 10 “Mestiçar”
- Série de TV – “COSMOS”
apresentada pelo astrofísico Neil DeGrasse Tyson – episódio 5
- Série de TV - “Science and
Islam”, apresentada pelo físico iraquiano Jim Al-Khalili.
- Livro infanto-juvenil “O Castelo Branco” de Omar Pamuck
O livro narra a história da relação de um viajante europeu com um cientista
islâmico mostrando como as delimitações de cultura, nacionalidade e fé se
diluem em se misturam no contato entre as civilizações.
- Livro “Breve História da Ciência Moderna, vol 1: Convergência de
saberes (Idade Média)”
Primeiro volume da série produzida pelo grupo Teknê, formado pelos
professores Andréia Guerra, José Claudio Reis e Mario Braga. O livro voltado
para alunos do ensino médio traça um panorama crítico da historia da ciência
durante a idade média, desmitificando a hegemônica autoria ocidental na criação
da ciência moderna.
Bibliografia
consultada
ATTIE, Miguel - Ibn
Sina (Avicena) - teses de mestrado (USP) e doutorado (PUC-SP)
ATTIE, Miguel - Falsafa
– a Filosofia entre os Árabes (PDF disponível no site pessoal do autor)
CRATO, Nuno - Da
tradução à criação da ciência árabe - Revista História n.48, Set 2002
GRANT,
Edward – Physical Science in the Middle
Ages – Cambridge University
GUERRA, Andréia - Breve
História da Ciência Moderna, vol 1: Convergência de saberes (Idade Média) -
Zahar
HART-DAVIS, Adam - 160
séculos de ciência – vol 1: A Aurora da Ciência - Duetto
LYONS, Jonathan – A
Casa da Sabedoria – Zahar
MASOOD,
Ehsan - Science & Islam: A HISTORY -ICON BOOKS
PAMUCK, Omar - O
Castelo Branco
PAMUCK, Omar - Istambul
PRICE, Derek de Solla – A
Ciência desde a Babilônia – USP
RASHED, Rachid - Histoire
des sciences arabes, Le Seuil, Paris.
ROSA, Carlos Augusto de Proença. - História da Ciência : da antiguidade ao renascimento científico - FUNAG
ROSA, Luiz Pinguelli – Tecnociências
e Humanidades, Vol 1 - Ed. Paz e Terra
RONAN, Colin – História
Ilustrada da Ciência - Zahar
SALIBA, George
- Whose Science is Arabic Science in Renaissance Europe? -
Columbia University
SZULC, Tadeus Witold - Abraão
– Pai do Cristianismo, Islamismo e Judaísmo - National Geographic, Dezembro
2001
VICENTINO, Claudio - História
Geral
Anotações pessoais
sobre conversas com pesquisadores da área
Anexo
ROSA, Carlos Augusto de Proença. -
História da Ciência : da antiguidade ao renascimento científico ─ vol 1 ─ Brasília : FUNAG, 2012. – pag 270
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